quinta-feira, 29 de março de 2018

Project MARS: A Technical Tale


Wernher von Braun (2006). Project MARS: A Technical Tale. Burlington: Collector's Guide Publishing.


Este é o tipo de livro que se lê como referência e não por gosto. A seu favor tem alguma plausibilidade científica, vinda daquele que foi um dos pais da astronáutica contemporânea. À luz da tecnologia e conhecimento científico da época, uma expedição a Marte nos moldes descritos no livro parecia possível, apenas uma questão de esforço financeiro e engenharia. Hoje sabemos que a questão da sobrevivência do homem em viagens espaciais não é assim tão simples.

No que toca à Ficção Científica, este livro é verdadeiramente atroz. Essencialmente, é um longo infodump, cada capítulo é essencialmente uma explicação longa e especulativa sobre o como poderia ser uma missão a Marte. Até mesmo para alguém como eu, que adora infodumps, parece excessivo. No entanto, é de ressalvar que este livro não foi escrito com ambições literárias. O seu objetivo expresso é suavizar a dureza matemática da especulação científica através de uma fantasia.

Mesmo a essa luz, o romance contém ideias estranhas, tendo em conta que são formuladas por um cientista bem informado e de vanguarda. A premissa do livro, o que leva a humanidade a aventurar-se até ao planeta vermelho, é a hipótese de existência de uma civilização marciana, baseada na observação dos canais na superfície do planeta. Uma ideia que creio, na altura em que este livro foi escrito, já tinha caído em descrédito. Mas a coisa piora. Ao chegarem a Marte, os intrépidos exploradores deparam-se de facto com uma civilização alienígena, de seres em tudo similares aos humanos, excepto por uma maior amplitude cerebral. A justificação dada pelo autor é a de ser natural que noutro planeta, a evolução seguisse os ditames de Deus na criação de uma espécie superior.

Há nesta filosofia alguns traços do passado do autor, muito branqueado pelo seu papel no domínio do desenvolvimento da tecnologia astronáutica. Não se coopera com um regime Nazi apenas porque é a única maneira de criar foguetões, é impossível não suspeitar de uma maior cumplicidade ideológica. Ao conceber uma civilização marciana à imagem do ser humano, o espectro dos ideários sobre superioridade de raças levanta-se. Um vislumbre ideológico que se torna mais óbvio ao retratar uma civilização avançada. caracterizada por estabilidade e onde a tecnologia garante um elevado nível de conforto. Elementos assumidos como conducentes à decadência, inércia moral e científica. Novamente, ideias que não são estranhas aos credos que influenciaram aqueles que mergulharam a Europa na página mais negra da história, e com os quais o autor foi conivente.

No que toca ao lado estritamente especulativo sobre viagem espacial, o livro reflete o conhecimento da época. Uma Terra unificada numa democracia global após uma guerra mundial (inevitável, com o aniquilamento soviético, que nisto de especulações futuras o esquerdismo quer-se longínquo) une-se num desafio exploratório, desenvolvendo tecnologia para levar o homem a Marte. A colonização da órbita terrestre está a iniciar-se, com uma estação de observação militar e observatórios em órbita, resta apenas adaptar a tecnologia existente para atravessar o espaço interplanetário.

Von Braun não é um  nome anónimo. O seu papel no desenvolvimento de foguetões foi fundamental para a evolução da exploração espacial. Estamos a falar do homem que na Alemanha Nazi liderou a criação dos primeiros foguetões e mísseis suborbitais, e posteriormente, com o passado branqueado nuns acolhedores Estados Unidos, esteve na linha da frente do desenvolvimento dos foguetões que abriram a fronteira do espaço. Foi sob sua liderança que o ainda inagualável Saturno 5 levou astronautas a pisar o solo lunar. Originalmente publicado em 1953, Project Mars é, como o próprio afirma no prefácio, uma forma suave de especulação informada, mostrando a sua visão de como poderia ser uma expedição a Marte com a tecnologia que o próprio autor estava a ajudar a desenvolver. Nesse aspeto, como retrato instantâneo de um momento na história da ciência, este é um livro interessante, embora os aspetos literários sejam fracos e algum ideário que lhe está subjacente ser incómodo. No entanto, para quem se interessa pela história quer da ficção científica quer da tecnologia, é um livro de referência a descobrir.